O pai entrou na sala e encontrou-os sofá. À frente
deles, o televisor mostrava, quase mudo, abandonado, imagens animadas, coloridas e
divertidas: uma menina fazia as maiores travessuras para desespero do urso
castanho e simpático. Mas nenhum deles reparava naquelas aventuras, agarrado
cada um ao seu monitor. Riu-se o pai, sentando-se num pedacinho do sofá ainda
livre, mas riu-se sozinho. Ainda olhou os filhos, esperando companhia, certo de
que rir acompanhado redobra a alegria. Desligou o televisor e por ali ficou à
espera de que as baterias mostrassem sinais de fraqueza.
Reparou depois que nenhum dos filmes chegava ao
fim, histórias incompletas, interrompidas e truncadas. Pobres narrativas assim
tratadas na ponta dos dedos inquietos e nunca satisfeitos!
- O que estás a ver?
Silêncio preso aos monitores.
- Pai, traz-me uma maçã.
Silêncio. Esperava o pai que o filho levantasse os
olhos.
- Pai, podes trazer-me uma maçã?
Silêncio.
- Pai?! – protestou.
- Diz?
- Não ouviste?
- Não consegui ouvir tudo.
- Por favor – pediu, levantando, finalmente, os
olhos.
O pai foi buscar a maçã, o filho voltou ao monitor.
Caminhava e pensava.
Em cada passo uma dúvida.
Até quando aguentaria fechado o diálogo preso em
cada criança,
assim cercado de histórias fugidias e incompletas?
Que crianças estão habilitadas para o silêncio?
À hora de jantar, encontraram-se todos à mesa.
Havia tempo, havia espaço. Estavam agora longe das mãos os monitores
carcereiros do olhar.
- Sabias que os deputados discutiram hoje o programa
do governo. Concordas com as propostas para a …
- Pai, a Clarinha não para de me imitar!
- Mãe, eu não fiz nada!
- Não quero sopa!
- Pai, já recebi o teste de matemática.
- Eu também já recebi os meus testes.
- Eu não gosto de sopa!
- Para de me imitar!
- Para de dizer isso, não te estou a imitar!
- A sopa tem legumes, não gosto!
- Vês, está a imitar-me!
- Eu não gosto!
- Pai, o que é um deputado?
- Mãe, amanhã, tenho natação?
- Só há sopa?
- As sapatilhas deixam entrar água!
- Hoje o professor disse que nós temos dificuldade
em estar calados!
- O Mateus ainda não fez os trabalhos!
- Mãe, a Teresa adormeceu no carro, sabias?
- Não dormi nada!
- Mãe, estás a ouvir-me? Estou a falar contigo!
- Pai, não olhes assim para a mãe!
- Clara, é melhor ficares calada!
- Cala-te tu, Mateus!
- Eu não quero a sopa!
- Mãe, a Inês já telefonou?
- Pai, não dizes nada?
O pai fixou por momentos cada um deles. Uma
clareira silenciosa surgia agora depois de atravessarem aquela floresta de
perguntas e protestos. Era urgente ouvi-los, mais urgente ainda era abrir
espaço para a escuta.
- Primeiro, preciso de acabar a pergunta que todos
interromperam – começou por dizer o pai.
E abriu o caminho necessário, demorando o olhar em
cada um, dando forma às palavras que seguiam sob a forma de dúvida e voltavam satisfeitas
com a resposta.
- Podes ouvir-me, agora?
Claro! O diálogo era agora feito de silêncio e de
escuta.
Silêncio e escuta, é urgente
permanecer.