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Pai, tu gostas de ser adulto?


                - Um, dois, três, macaquinho do chinês! Um, dois, três, macaquinho do chinês! Para trás, mexeste-te! Um, dois, três, macaquinho do chinês!
             O sorriso não cabia na sala, invadia todos os espaços da casa, renovando-os a cada gargalhada que o acompanhava. As folhas das plantas, que procuravam a luz, baloiçavam com aquela brisa feliz que as tocava, tornando-as mais brilhantes.
                - Um, dois, três, macaquinho do chinês! Pai, para trás, mexeste a perna!
                - Continuem, vou à cozinha, já volto.
                - Pai, tu gostas de ser adulto?
                Aquela pergunta disparada à queima-roupa e pelas costas nada tinha de traiçoeira. O pai, quando se voltou, encontrou nos olhos do Mateus um brilho feliz, agradecido.
                 - Vou à cozinha e já volto.
- Pai, tu gostas de ser adulto?
                A pergunta era séria. A repetição intensificava a ausência de resposta e a certeza da dúvida do rapaz.
                -Claro, filho, claro que gosto.
                E foi à cozinha, levando a pergunta insatisfeita presa no olhar como uma candeia que vai abrindo um túnel brilhante na escuridão.
Lembrou-se de alguém que já teria perguntado que criança teria vocação para adulto. Mas, naquele caso, importava perguntar que adulto teria vocação para criança.
Pensou depois que esse era o drama dos adultos e das crianças: destas porque têm de ser adultos antes do tempo e daqueles porque não têm tempo de ser criança ou já não sabem ser criança. E a infância parece um estádio abandonado, por vezes, em ruínas, onde há muito não se ouvem os passos das crianças que passam ao lado e o avistam como um museu onde estacionam peças valiosas que não podem tocar… pagam bilhete e têm hora marcada para sair. Aí encontram a brincadeira devidamente acomodada e protegida, encerrada.
O pai do Mateus reduziu digitalmente o calor na placa para acalmar a pressão (dentro da panela) e regressou à sala.
- Agora és tu a contar, pai! – indicou a Clara.
- Sou eu! – protestou a Teresa.
- Falem mais baixo! – insurgiu-se a Inês, despertando da série que tinha entre mãos.
- A Teresa conta comigo – resolveu o pai. - Um, dois, três, macaquinho do chinês! Um, dois, três, macaquinho do chinês!
Enquanto brincava, fitava ainda a pergunta agarrada à memória como cisco nos olhos. Incomodava, dolorosa, como pico no calcanhar que bem podia ser de Aquiles.
- Um, dois, três, macaquinho do chinês! Um, dois, três, macaquinho do chinês! Para trás, Mateus!
Que vocação tinha o pai para adulto? Que vocação para criança? Gostava ele de ser adulto? Que intervalo reservava no horário para ser criança?
- Um, dois, três, macaquinho do chinês! Um, dois, três, macaquinho do chinês! Mexeste-te, Clara!
- Eu também vi! – assegurou a Inês.
- Tu não estás a jogar, Inês!
- Vou entrar agora, posso?
Claro, podia.
O pai, adulto, ali criança, desdobrava-se para garantir que era bom ser adulto. Uma missão que assegurava o futuro, que justificava o tempo da infância. Adulto como o mar que acolhe os rios, guerreiros que tudo vencem para lá chegar. Adulto como o mar que, por vezes, percorre o leito dos rios para melhor os acolher. Adulto como o mar num vai e vem incessante, onde já não há margens. Como o mar, caminho para as ilhas, para os continentes.
- Um, dois, três, macaquinho do chinês! Um, dois, três, macaquinho do chinês! Agora é a tua vez, Inês!
Um, dois, três, macaquinho do chinês!
Um, dois, três, macaquinho do chinês!
Um, dois, três, é agora a tua vez!

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