Avançar para o conteúdo principal

Sempre que for a hora!


 


O Alviela avançava sossegado para em breve descansar nos braços do Tejo, embalado pelo canto das Tágides. O paço dos Coutinhos espreitava-o a pouca distância, enquanto o estio chegava de mansinho, naquela serena tarde de junho.

Deixaram então o alpendre em silêncio perturbado e entraram no quarto, onde o tinham acolhido já muito debilitado.  João de Portugal estava com ele.

- Luís, Luís Vaz! – sussurrou. O Poeta abriu os olhos e esboçou pausadamente um sorriso completo. - Estão aqui o Manuel de Sousa e o nosso adorado rei! Passaram quase dois anos, meu bom amigo!

Luís reconheceu o tenro gesto do soberano marcado pelas agruras do deserto e da longa peregrinação. Procurou depois os olhos de Manuel de Sousa e, apontando para uma mesa ao fundo cama, proclamou na medida heroica:

- Manuel, eis aí a tua espada! Manuel, eis aí a tua pena!

De seguida, chamou o anfitrião, ainda moço, filho do seu amigo e protetor.

- Gonçalo!

Hesitante, Gonçalo Coutinho aproximou-se e Luís entregou-lhe demoradamente os manuscritos que conservava junto ao peito.

Por fim, fixou Sebastião e João de Portugal.

- É forçoso que fiqueis. O povo anseia p’lo vosso regresso.

- Temos de partir – resistiu Sebastião.

O Poeta compreendeu:

- … dareis favor a novo atrevimento… e sempre regressareis!

- É o que faremos, sempre que for a hora! - garantiu João de Portugal, desembainhando a espada que logo apoiou na do jovem rei. Manuel de Sousa e Gonçalo Coutinho imitaram o gesto. Unidas as espadas, unidas as vontades:

 - Sempre que for a hora!

Luís fechou os olhos, serenamente.

 


Mensagens populares deste blogue

Pai, quantas ondas tem o mar?

A Clara continuava na água. Abraçava as ondas e deixava-se levar qual capitão à proa do barco da imaginação. Atracava feliz e logo se voltava para sulcar a seguinte. O pai permanecia sentado, observava aquele vaivém e também ele navegava em cada onda que beijava inocentemente a areia. - Pai, viste o meu mergulho? – perguntou, enquanto se aproximava. O pai acenou afirmativamente, evitando as palavras e o olhar. Não queria regressar daquela viagem que a imensidão sempre proporciona. A menina, curiosa, perspicaz, feita de perguntas e saberes nunca satisfeitos, sentou-se e ficou também a olhar. - Estás a ver ou estás a pensar? - As duas coisas… – respondeu o pai, inseguro. - Posso fazer-te uma pergunta? – continuou, procurando melhor posição na areia. - Sim. - Quantas ondas tem o mar? O pai levantou os óculos escuros para ver melhor o rosto da criança e não encontrou sinais de brincadeira. Reparou, sim, na dúvida que permanecia no olhar concentrado e insatisfeito....

Mãe, emprestas-me um beijinho?

A Teresa rodava no centro da sala com os braços esticados sobre a cabeça. Era uma bailarina encantada pela música, rodopiava nos braços da melodia. - Mãe, olha para mim! Vês, já sei dançar! - Linda! Que princesa tão linda! E logo a envolveu num abraço, emprestando-lhe um beijo no rosto. A menina olhou-a de uma forma inesquecível. Nos olhos, um tempo indistinto, um tempo sem tempo que reunia ali todos os tempos. O beijo provocou-lhe uma explosão interior sentida no olhar, uma alegria que se alargava no sorriso e se apertava no abraço que reafirmou à volta do pescoço da mãe. Depois afastou-se para reencontrar-se com os amigos de peluche que aguardavam pela sua imaginação. - Vem cá, pequenino, estás com frio? Agarrou-o, envolveu-o num pequeno cobertor e ofereceu-lhe um beijo demorado. O Mateus também estava na sala. Tinha reparado com curiosidade na irmã e na mãe. - Também me davas beijos assim? Como não obteve resposta, aproximou-se e encostou a cabeça no ombro da m...

A primeira aventura do Sapo Toquinhas

O Sapo Toquinhas acordou e ficou muito contente. Estava um dia lindo. O Sol estendia os seus dedos quentinhos até ao rododendro. Era aí que o Toquinhas vivia com os seus pais e a sua irmã Matocas. Avançou então por entre as folhas aos saltinhos com muito cuidado para não ser visto. À sua frente começava a calçada que conduzia até à porta principal da casa. - O que haverá lá dentro? - matutava o Toquinhas. E logo recordou o conselho do Paitocas: "Nunca te aproximes daquela porta!". Mas o Toquinhas olhava a porta grande e castanha e ficava triste porque via que outros animais lá entravam todos os dias. Entrava a mosca, o mosquito, a melga, a lagartixa. Até a formiga lá entrava! Um dia, ficou à espera, quieto como uma pedra. O coração batia apressadamente! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Dali até à porta eram três saltos altos e longos... De repente, viu passar o pai de Mateus com sacos de compras. O homem abriu a porta grande e...