O Mateus estava sentado no sofá ao lado das irmãs, a Clara e a Teresa. A Inês não estava, tinha saído para trabalhar.
A televisão permanecia ligada, mantendo a esperança de que algum deles por momentos a fixasse. Passeava cada um no seu telemóvel, ao sabor das imagens e dos vídeos que julgavam ser da sua escolha. O pai e a mãe também faziam o mesmo exercício, procurando, nas aplicações dedicadas, as conversas mais ou menos interessantes, as últimas publicações dos amigos mais ou menos conhecidos, os produtos mais ou menos úteis, mais ou menos usados.
E assim permaneciam numa proximidade ausente.
O pai foi o primeiro a levantar os olhos para reparar naquele cenário. Repentinamente ocorreu-lhe uma ideia talvez inoportuna, pelo menos inesperada, a que se agarrou por momentos: consciência coletiva. Nem mais. Era como uma pedrinha no sapato quando caminhamos em tempo de férias.
Ali, na casa onde passavam alguns dias, tinham acesso apenas a meia dúzia de canais. Um deles fazia lembrar uma casa abandonada, onde se entra com cuidado para evitar as teias, o soalho solto e o pó. Era uma espécie de memória, trazendo o passado ao presente. Reparou então nos Jogos sem Fronteiras. Jogos sem Fronteiras! Recordou por impulso o Festival da Canção… e aquela novela que passava depois do Telejornal… O Telejornal, meu Deus! E não é que, no dia seguinte, todos falavam dos mesmos acontecimentos noticiados e percorriam as páginas dos jornais presos no balcão do café! E discutiam, debatiam… o medo era de todos, o combate e a esperança também.
De novo na sala, onde permaneciam repartidos pelos diversos ecrãs. Que consciência comum dali resultaria? Quem conhecia os influenciadores que se apoderavam daquelas crianças? Haveria ali o perigo de uma certa limpeza do presente, de um certo apagamento do passado, de um incerto futuro onde poderiam chegar algemados?
Também repentinamente regressou à imagem do seu pai. Adriano! E com o nome ao azul pacífico, sereno e resistente dos olhos! Paulatinamente, a imagem ganhou movimento e o bom pai abria esforçadamente um sulco com a enxada. Passo a passo, as sábias mãos cavavam profundamente, acalentadas pelos sons compassados e pelo justo suor. E as vertentes de cada rego ganhavam distância unidas pelo cume que se estendia qual linha de uma reta perfeita. Uma beleza! Telúrica! O homem que toca a terra que se deixa moldar pela força, pelo olhar, pela esperança! Depois regressava ao início e a dança continuava. Rapava desta vez para o sulco aberto toda a riqueza que a superfície oferecia. Uma tira de húmus que voltava à profundidade da terra para ser alimento da planta que ali arriscaria as suas raízes.
Olhou de novo os filhos, enquanto a Teresa espalhava uma gargalhada contagiante.
E mais uma vez aquela fatia de terra que a enxada rapava para o sulco que se tornava chão rico, suporte e alimento de nova plantação que sobre ele seria disposta, pés vindouros sabiamente alinhados.
Também aqueles aprendizes reviravam a cada momento toda a riqueza que neles ia crescendo. Mas esta será sempre chão que não poderão evitar. Tudo o que vierem a plantar agarrar-se-á a toda essa força que vem de longe, impossível de apagar. Essas novas plantações daninhas ou sadias terão esse chão sustento. E só a estas esperava que desse vigor, altura e frutos!
Sorriu ao ver em cada um deles um sulco onde vários sonhos se alinhavam como frágeis plantinhas. E esperava que as suas escolhas nunca saíssem daquela profundidade amorosa… sabia que o amor nunca vem só. Acontece porque o encontramos nos olhos de quem nos cuida. Sabia que as boas escolhas não acontecem na fugidia torre da solidão, longe do chão que nos dá vida e que nos constitui.