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O rapaz aprendiz




 

Chegava, balançando em cada degrau, vagarosamente, como quem conta secretamente os degraus que teimavam em manter-se ali, obrigando-o à necessária subida. Podiam ser menos, mas não levariam tão alto. Levava a mochila às costas, presa por uma só alça. Parecia uma bola vazia, desocupada. Apenas um caderno preto e um estojo maltratado com restos de materiais com que se entretinha durante as aulas: uma borracha à beira da extinção, um lápis diminuto, uma esferográfica despida, reduzida à carga atacada por dentadas insistentes.

Aproximou-se do banco de espera e ocupou o lugar habitual. Tirou do bolso o telemóvel e ali ficou longos minutos, enquanto assistia ao desfile de imagens que deslizavam pelo ecrã. Pedaços de humanidade desligados, distantes, instantes. Uma espécie de narrativa sem tempo, sem espaço. Um carrossel de êxtases sem circunstância, como se tudo ali se reduzisse ao ponto culminante. Nada antes, nada depois. Não havia causas, não havia consequências.

E o rapaz lá continuava preso naquele círculo vicioso. Nem um sorriso, nem uma expressão de terror. Nada! Circunflexo, ausente.

- Bom dia!

Nem um sinal, nem um movimento.

Aberta a porta da sala, lá foi ele como quem entra numa passadeira rolante, onde não precisa de caminhar para seguir. Ia sem saber.

Sentou-se ao fundo da sala, junto à janela. Deslocou a cadeira para se esconder atrás dos colegas da frente. Manteve a mesa deserta e a mão direita sobre o bolso, tocando na forma do telemóvel. Sossegou assim durante vários minutos. Depois dele, começava o círculo da luz que não ousava invadir. Mantinha-se na penumbra, no silêncio mais cómodo.

Pouco depois, encostou a cabeça na mesa, uma desistência descarada.

- Bom dia!

Um esforço terrível para levantar o rosto e sustentar o olhar, procurando o autor daquelas palavras. Depois um sorriso tímido, já quase arrependido. Os olhos permaneciam desfocados e pesados, sedentos de chão.

Então fiz-lhe sinal para se incluir, para querer. Bastava querer, ter vontade, a raiz de onde se eleva, brotando, a pergunta curiosa, a dúvida atenta.

- Sim.

Seria um sim fático ou um faça-se de quem procura renascer?

- O que tenho de fazer? - irrompeu.

Esta era a melhor medida, talvez até universal. Esta era a vontade inicial, propiciadora! Os caminhos diferentes precisam de ser percorridos no esforço necessário, sempre insatisfeito.

Apontei o caminho e o destino. Mas os passos, na sua largura e cadência, eram dele. Em cada passo, uma pergunta. Em cada passo, uma vitória. Nisso consistia a diferença.

Importante era querer. 

Pela vontade é que vamos, pelo sonho também!


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