As palavras vaguearam pela sala, borboletas sensíveis em busca das flores dispostas e entusiasmadas com o Sol. Tinha chegado o momento.
Finalmente, Leonor passava descalça para a fonte. Sustentava na cabeça o pote, na mão direita levava o testo. Passava formosa, discretamente envergonhada, secretamente ousada. Passava, ia para a fonte.
Observei-os demoradamente junto àquele caminho verdejante, onde as palavras sussurravam nas suas conchas puras e era preciso encostá-las ao ouvido para escutar o seu eco distante. Traziam ainda as conversas na fonte, as promessas de amor, as saudades do amigo ausente.
E Leonor passava, ia buscar água. Mas ninguém parecia reparar nos pés descalços, endurecidos, seguros em cada passada. Ninguém fitava o pote vazio, ninguém apontava o duro esforço - chegar à fonte, encher o vaso, levar água para casa!
E lá ia Leonor. Trazia a saia de cote, a saia de todos os dias, sempre branca, sempre pura. A outra, se a tivesse, aguardaria pelos dias de festa na ermida, no adro, no largo, debaixo das avelaneiras floridas. As tranças d’ouro dançavam, fugindo da touca que as agarrava. Ia linda, linda! Tão graciosa era a espantosa formosura!
Olhei-os novamente. Também formosos, inseguros todos, não iam descalços, não levavam o pote, nem levavam o testo. Que graça lhes daria graça à formosura? Em que fonte matariam a sede? Que segredos lhes confiaria Amor no canto sereno daquelas águas?
Leonor? Leonoreta?
Descalça? De lambreta?
Leonor, Leonoreta,
já não vais descalça nem de lambreta!
As palavras vaguearam pela sala, borboletas sensíveis em busca das flores dispostas e entusiasmadas com o Sol.