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Abóbada

 

Estavam todos na parada. Quase prontos, quase sempre prontos. A formatura ali exposta pouco ou nada dizia da sua descompostura interior, do desalinho mais ou menos visível. Impossível gostar deste texto! Quem se lembrou de nos pôr a ler uma coisa destas!? Não sei como consegue, repara naquele entusiasmo!

Seguiam-se os últimos capítulos da obra que juntos percorreríamos como o mapa de um terreno que importava conhecer muito bem. E eu estava deveras entusiasmado. Mãos nas palavras! Sentido! Ler as palavras! Sentido! Depois era necessário o grito interior, individual e mudo, o pasmo de quem descobre paisagens inóspitas, inesperadas, desafiantes.

“Um rei cavaleiro”… “O voto fatal”…

Mas a resistência permanecia visível na mão que apoiava o rosto, nos olhos introvertidos e tristes.  Algumas palavras pareciam rochedos intransponíveis! E eram tantos que a viagem se tornava aborrecida e demorada. O horizonte teimava em não aparecer. Nada pior do que a viagem que não permite o horizonte. Apetecia-me dizer-lhes ad augusta per angusta! Mas seria ainda pior.

Mestre Afonso mandou tirar os simples… a abóbada não caiu.

Eis as pedras do nosso passado que nos obrigam a levantar a cabeça para as podermos ver, admiravelmente suspensas, cantaria lavrada, impressões digitais da nossa identidade, relatos de um passado que nos pertence, ousadia que importa abraçar e alcançar!

A narrativa chegara ao fim. Olhei-os novamente, enquanto as palavras continuavam o seu caminho, revisitando com Herculano cada forma daquela épica construção. E, nesse momento, percebi que cada um daqueles aprendizes era uma abóbada suspensa, aguardando ainda a pedra de fecho. Trabalho sensível em torno de cada nervura que os sustentava. Por enquanto, elevavam-se apoiados. E eu sentia-me um dos simples, acalentando cada sonho cinzelado. Sabia da importância de cada pedra escolhida, de cada leitura, de cada sorriso, de cada abraço, de cada incentivo, de cada equação… Mas importavam agora as pedras de fecho! Que valor suportaria cada pessoa que ali se levantava?

- Fazemos agora os exercícios? -perguntou um deles.

- Sim.

Esta é a melhor tropa chinela! Sei que pela vida fora um grito sempre os reunirá, sempre os levantará, “A abóbada não caiu… a abóbada não cairá!”. Abóbada chinela devidamente fechada pela amizade!

 


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