O pai ouviu o pedido, enquanto colocava na mesa a última colher junto ao prato da Teresa. Irradiava pela sala um aroma sorridente, onde a esperança conquistava sempre um novo alento.
- O jantar está pronto! – ouviu novamente.
E as palavras voltaram a percorrer o espaço à procura dos ouvintes derramados pelo sofá.
Pouco depois, retirou da torradeira o pão estaladiço, concordando com Cesário, pois também achava aquele cheiro salutar e honesto.
- O jantar está pronto! – exigiu a mãe, como quem faz um ultimato.
Mas o silêncio continuou sossegado.
- Podes ir chamá-los, por favor?!
O pai abandonou então os alexandrinos realistas e procurou os filhos que permaneciam tranquilos, como se não houvesse mais ninguém à sua volta, como se o mundo terminasse no limite do sofá e a partir dali fosse o infinito, mares secretamente navegados!
- O jantar está pronto! – repetiu.
- Há sopa? – reagiu a mais nova.
Ao aceno afirmativo opôs-se o exército desalinhado com dramáticas caretas. Era como se os mandassem para uma trincheira de colher na mão prontos para o combate que não queriam ter!
- Podem vir, por favor?
- Diz? – pediu a mais velha como se tivesse acabado de chegar, afastando ligeiramente um dos fones.
- Vamos para a mesa!
- Já vou! – prometeu a Clara.
- Vou já! – concordou a Teresa.
- É para já – garantiu o Mateus.
- Inês, podes dar o exemplo? – tentou o pai, vendo que nenhum fazia justiça às palavras.
- Já lá vou! – respondeu numa variante que garantia alguma esperança.
O pai ficou a olhá-los, espantado com a transgressão: o advérbio, habituado a uma séria disciplina temporal, tinha sido semanticamente despido. Estava lá, encostado ao verbo, mas nenhum deles se levantou imediatamente, no mesmo instante em que o proferiu!
Era ali o Reino das Esperas, onde as palavras depunham o seu sentido. O tempo não avançava nesse lugar, onde também não entrava o aroma do pão quentinho e estaladiço! Era o reino do menino Eparajá e das meninas Javou, Voujá e Jalavou que tinham a graça de nunca ir na hora certa. Iam sempre depois, um tempo que o regrado compasso do relógio desconhecia, um tempo abusador das paciências maternais e paternais.
Como passar o profundo fosso daquele castelo? Como abrir a sua robusta porta para libertar aqueles cativos? Como resgatá-los do Reino das Esperas?
- Oh! Mãe!
- Não faças isso!
- Só faltam dez minutos!
- Mãe, não desligues, por favor! – suplicaram em coro.
Tarde demais. A televisão tinha sido silenciada e o acesso à Internet era agora uma frágil e intermitente luz verde. O cerco ao castelo do Reina das Esperas tinha bloqueado os bens de primeira necessidade, obrigando os seus habitantes a uma rendição forçada.
-Está bem, nós vamos! – concordou o Mateus, que se levantou para seguir as irmãs.
O pai avaliava aquela admirável estratégia de guerra e o seu rápido resultado.
- Ajudas a Teresa, por favor!
Claro que sim! E preparou-se então para a batalha seguinte, a sopa estava servida!
- Teresa, posso contar-te uma história?
Os olhos brilhantes foram resposta suficiente.
E a sopa sabia a sonho, a paisagens inesperadas. Era uma vez no Reino das Esperas… Era uma vez o reino do menino Eparajá e das meninas Javou, Voujá e Jalavou…
A mãe deixou escapar um sorriso discreto. Aquele cerco ao castelo dos amuos também lhe pareceu eficaz.