Ouvi dizer há dias, uma vez mais, que, no futuro, no
teu futuro, irás exercer uma profissão que ainda não existe. Reparei no
semblante carregado de quem ao meu lado se sentava, nos acenos afirmativos e
nos lábios cerrados.
Por momentos, senti que tudo aquilo que te ensinámos,
que tudo aquilo que por ti escolhemos, poderia ser um logro; admiti ainda que percorrias
uma escola obsoleta, cercada de altos muros, incapaz de ver para além deles.
Por momentos, percebi a monstruosidade cometida em
cada pergunta que te obrigava a pensar no teu futuro: o que queres ser quando…?
Por momentos… apenas por momentos.
Afinal, quem me garantiu aos dez anos a profissão
que hoje exerço? Dirão que não é nova. Não, não é. Mas o que é hoje afasta-se vertiginosamente
do que foi. Além disso, descobri que um dos meus amigos de infância é hoje operador
de drones. É que, quando éramos pequenos, a única aeronave não tripulada
que conhecíamos era o avião de papel ou a avioneta! Mia Couto diz ser a neta do
avião… o livro está cá em casa.
Percebes o que te digo?
Também descobri que um amigo da faculdade é hoje
analista de segurança informática. Vê bem, um rapaz que passou anos a estudar a
literatura e a língua portuguesas. E o engenheiro de energia eólica? A única
coisa que deve ter conhecido quando era pequeno foi o moinho do avô onde o
milho se transformava em farinha ou, mais tarde, os quixotescos moinhos de
vento…
Percebes o que te digo?
Ouvi dizer ainda que, no futuro, serão valorizados
os candidatos com melhores skills ao nível da relação interpessoal.
Sempre assim foi! A teu trunfo será o saber. Mesmo que te digam que o que
aprendes hoje não será verdade amanhã! Hoje caranguejo,
amanhã carangueijo! Ontem mater, hoje madre. Quem sabe hoje percebe
melhor o que terá de saber amanhã!
Percebes o que te digo?
E as skills?
Serás competente! Não me parece muito difícil, apesar do
estrangeirismo. Bastará saber entrar na sala, fazer silêncio, escutar e trabalhar
com rigor.
E o trabalho colaborativo?
Também: escutar, partilhar, concordar, discordar,
fazer.
E a escola do século XIX, pai?
Foi do século XIX e é de quem quer fazer história.
Mas sentamo-nos da mesma forma na sala!
Não, nunca na mesma cadeira, nunca na mesma mesa,
nunca no mesmo quadro, nunca as mesmas janelas, nunca com o mesmo professor,
nunca com o mesmo livro, nunca com o mesmo caderno, nunca duas vezes no
mesmo rio.
Percebes o que te digo?
Se te quiserem tirar o verso difícil, acenando-te
com uma visita à casa do poeta, resiste. Agarra primeiro cada palavra,
descobre-lhe o sentido e a forma, como se cada uma delas fosse um degrau. Vai
depois descobrir a casa e verás que cada pedra valerá mais do que a sua dureza.
Se te quiserem tirar o passado, mostrando-te um
futuro por causa dele incerto, resiste. O passado é aquele aviso à navegação,
brilhando intermitente na costa. Todos os erros teimam em voltar e desembarcam
facilmente nas costas onde os faróis há muito foram abandonados, costas rasas,
sem construção alguma.
Percebes o que te digo?
Aquilo que te ensinamos, tudo aquilo que por ti
escolhemos, não é um logro, é uma dádiva; percorres uma escola atenta, sábia e prudente e,
por vezes, cercada de altos muros, para que não a destruam.
Afinal, o que queres ser quando fores crescido?