O Mateus estava entusiasmado com o golo que acabara de
marcar. Abriu os braços e, por momentos, correu como se voasse, para melhor
receber os aplausos. Parou mais à frente para dar corpo à dança que há muito
ensaiava com dedicação. Articulava movimentos que o colocavam, por momentos,
num sambódromo onde só ele parecia ter palco.
De novo posicionou a bola para mais um remate.
- Pai, queres ver? Vou bater um pênalti! Olha, estás a ver?
E marcou o penálti, a grande penalidade, conseguindo que a
bola entrasse num dos extremos da baliza. O rapaz não voou entre os centrais,
mas, mais uma vez, abriu as asas e sorriu, para que todo o estádio o visse em
grande plano, no ecrã gigante. E de novo a dança e de novo o grito:
- Golaço! Que golaço!
O pai sorriu e esperou alguns segundos para que o Mateus
confirmasse que tinha assistido atentamente ao remate certeiro que acabara de
fazer. Antes de entrar em casa, perguntou ainda:
- Mateus, quem está a jogar à baliza?
- Pai, estás a brincar, não há guarda-redes! Jogo sozinho!
O pai respirou de alívio, afinal não era muito grave!
- Mas, se quiseres, podes ser tu o zagueiro que eu gosto mais
de ser ponta!
Foi tão natural a proposta que o pai nem colocou a hipótese
de ser uma brincadeira. Respondeu que mais tarde voltaria para jogar com ele e
entrou em casa.
A Teresa estava na sala com a Clara. Na perspetiva arrumada
do pai, tinham espalhado todas as bonecas e procuravam dar-lhes o almoço.
- Oi, galerinha! Hoje, fomos no supermercado e trouxemos comidinha da boa para vocês!
Você está muito bonitinha! E você!? Muito fofa! Oh, e você uma gracinha! – exclamava a Clara.
O pai reparou depois na Teresa que a dada altura começou a
chorar.
-Diz, filha! O que foi?
- Eu perdi a mamadeira dela!
E apontava para uma boneca que embalava, como se ela chorasse
desconsoladamente.
- Não sei o que é – lamentou-se o pai.
- Tu não sabes o que é uma mamadeira?! – espantou-se a mãe.
- Filha, está debaixo da cadeira – ajudou, apontando o
biberão para que a filha o fosse buscar.
- Mamadeira!... – repetiu o pai, encolhendo os ombros,
divertido, no mínimo.
- Teresa, me dá o chaveirinho que está em cima da mesa –
pediu a Clara.
- Estou vendo, eu o levo!
A mãe estava divertidíssima com a reação atónita do pai que
certamente também não sabia o que era um chaveirinho. Quando os olhos de
ambos se encontraram, as gargalhadas abriram passagem de forma descontrolada.
- Elas falam assim quando brincam?! – espantou-se.
- Sim, copiam a linguagem dos vídeos que veem – esclareceu a
mãe.
- Mas não é português europeu…
Pois não, era português do youtube, divertido e melodioso,
incontornável.
- Pai, já podes jogar comigo? – interrompeu o Mateus.
- Sim, desde que não seja o goleiro – respondeu, deixando o
rapaz surpreendido.
- Pai, estás bem?
O jogo recomeçou.
Cada golo uma vitória.
- Golo!
-Golaço!
Cada palavra conquista o seu espaço, imparável, ad aeternum.