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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2019

Mãe, o que queres ser quando fores crescida?

A Teresa não queria jantar. - Só três batatas e três peixes, pode ser, mãe? Não queria mais do que três pedaços de peixe. Batata, se possível, ainda menos. - Aqui tens, Teresa. - Mãe, – reagiu ofendida – colocaste cinco batatas! E contou em voz alta para que ninguém à mesa duvidasse da certeza do seu protesto. A mãe fixou os olhos do pai, suplicando ajuda. Ao seu lado, a Clara, desafiadora, imitava e ridicularizava qualquer gesto que o Mateus fizesse. - Mãe, a Clara não para! - Mas eu não estou a fazer nada – protestou, assumindo de imediato uma postura ajuizada, irritando ainda mais o irmão. - Esquece, Mateus, não valorizes. Vais ver que ela desiste – interveio a Inês, tentando moderar a disputa. A Teresa continuava amuada e a contar os pedaços de peixe e de batata. Não havia forma de desaparecerem! - Na escola comes sozinha? A Teresa acenou afirmativamente. O pai continuou: - Quem costuma ficar ao teu lado no refeitório? - A Carolina. - Eu poss

Pai, o que são pessoas normais?

O Mateus fazia exercícios de Ciências Naturais, quando, calmamente, levantou os olhos do caderno para retirar do sapato a dúvida que durante alguns dias o tinha incomodado: - Pai, tu sabes o que é uma pessoa normal? - Diz? - Pai, perguntei se sabes o que é uma pessoa normal – repetiu com alguma impaciência. Não havia margem para dúvidas, era mesmo uma rede que o apanhava e, quanto mais procurasse fugir, mais se enredaria. Era agora necessário saber onde tinha começado aquela pergunta para que a resposta preenchesse o vazio da dúvida. Sim, porque a dúvida tem sempre a forma da resposta, tal como o copo guarda a forma da água que vai receber. - Pois, assim desprevenido, talvez não saiba dizer-te o que é uma pessoa normal. Mas porque me fazes essa pergunta? - Por nada de especial. Estava a conversar com alguns amigos lá da escola… Que resposta seria justa e capaz? Que terão dito aqueles rapazes sobre o assunto? Que padrão exigiam para ascender ou descer à normalidade?

Sílaba desmedida!

Mãe, não cabes na palavra que te quiseram dar. Uma casa minúscula para tanto ser! Uma sílaba: dois lábios que se fecham em forma de beijo para logo abrirem caminho à brisa que lhe desenha a forma sonora. Rosto carregado de frutos maduros e doces, nos olhos correm os rios que matam a sede e que, por vezes, rolam pelas margens ao meu encontro. No teu sorriso está o teu segredo. As tuas mãos conhecem os contornos dos meus sonhos e soltam as amarras no porto onde sempre me esperas, onde sempre te encontro, onde sempre me voltas a prender. Mãe, não cabes na palavra que te quiseram dar. Uma casa minúscula para tanto ser! Uma sílaba: dois lábios que se fecham em forma de beijo para logo abrirem caminho à brisa que lhe desenha a forma sonora. Aprendi a respirar ao ritmo do teu embalo. Tenho ainda no ouvido a melodia das histórias que me segredavas e espanta-me a nobreza da tua humildade, quando rezas ao meu lado.                 Todas as nascentes, todas as fonte

A pergunta desparasitada

A conversa ao jantar estava a tornar-se mais séria. O Mateus fixou então o prato, na esperança de não ser o primeiro a responder às perguntas. - Ainda não me falaram sobre a vossa avaliação – começou o pai. O Mateus olhou a Clara de soslaio e, com uma careta divertida, sugeriu-lhe que fosse a primeira a falar. O pai percebeu a jogada e decidiu: - Mateus, primeiro tu… um aspeto positivo e outro onde tenhas de melhorar. O rapaz ainda protestou, mas não teve alternativa. Admitiu que, por vezes, se deixava levar pela imaginação, mas que isso não seria motivo para preocupação. Dependia. É que nem sempre a imaginação era a melhor convidada para determinadas tarefas. Só para casos de extrema importância? Talvez. Nos outros reinava a quadrada regra. Imaginação só para os casos fora do quadrado. Que pena! Tinha uma certa razão o rapaz. Quando nos vêm a pedir imaginação, já não sabemos ter imaginação. É um caminho escuro, um sótão cheio de pó há muito encerrado. Quando lá voltamo