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Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2020

Abraço

  - Pai, o que vês para além deste dia? - Vejo o que fiz e prevejo o que não fiz. - Hum, só isso? - Sim, tenho memórias e projetos. O que faço hoje, ocupando o tempo que vai deixando de ser futuro, torna-se passado, vestígio longo e permanente. - Então vês apenas aquilo que os teus olhos alcançam? - Não, filho. Através dos teus, alcanço outro horizonte para lá do meu. - Certo. E o que vês quando me abraças? - Nada, gosto de fechar os olhos quando abraço. - É melhor o abraço? - Sim, por momentos, recusamos o tempo e, quando abrimos os olhos, regressamos mais fortes para o enfrentar. - Dás-me um abraço? - Claro. A cadeira baloiçava levemente. O silêncio acariciava a brisa que tocava levemente as folhas das japoneiras. - Pai, o almoço está pronto. Surpreendido, olhou o filho, levantou-se e seguiu-o. Ainda pensou em falar-lhe sobre aquelas coisas, mas o melhor era começar pelo abraço. Fixou o melhor momento: ao deitar, quando a noite nos segreda as memórias

Conversa afiada

  Entrou na caixa, conduzido pela mão que levantou suavemente a cobertura, e aconchegou-se no espaço livre ao lado dos colegas de ofício. - Encosta-te a mim, deves estar um pouco tonto de tanto balançar naquela folha. - Desfaço-me para dar cor àquelas formas! - Eu cá prefiro os traços contínuos. Detesto que me façam andar para trás e para a frente, nunca sei para onde vou! Assim falavam o verde escuro e o verde claro, lado a lado na mesma casa. Aí descansavam, após intermináveis viagens por desertos brancos onde sempre deixavam um rasto de beleza. - Olha, agora vai o amarelo! Coitado! Vai diretamente para a composição! Nem sequer passa pela aguça! – espantou-se o verde claro. - Assim rombudo enche mais depressa a forma do Sol – explicou o verde escuro. - Eu prefiro trabalhar bem afiadinho, o meu risco é mais delicado. - Mas sabes que perdes um pouco de ti sempre que te aparam?! - E para que quero eu permanecer inteiro?! Os inteiros nunca serviram para nada! Nunca desenharam um sorriso,

O dia em que a mamoa foi ponte

In  https://pt.wikipedia.org/wiki/Mamoa Os soldados vinham de Gaia pela via que continuava para Lisboa. Em Arrifana, seguiram pelo caminho que os conduziria até Escariz e daí marchariam em direção a Viseu. Já não havia muito tempo de Sol e por isso era necessário apressar o passo. Os cavalos estavam a precisar de descanso e de alimento e os legionários suspiravam por um bom naco de carne aconchegado por um púcaro de vinho ou de cerveja. Além disso, não queriam que a noite os apanhasse perto do Castro da Portela. Era um lugar difícil de transpor. Os Lusitanos que o habitavam não davam tréguas aos invasores, atacavam de surpresa, descendo velozes como cervos das citânias. Ao chegarem a certo lugar junto do rio Ul, avançaram pela sua margem direita, pois sabiam que mais à frente, em Mouquim, havia uma passagem segura. De repente, o mais velho dos soldados levantou a mão e impôs silêncio imediato. Todos pararam e procuraram o gládio onde apoiaram a mão expectante, enquanto os olhos p