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A mostrar mensagens de maio, 2020

Temos mesmo de ler isso?!

- Temos mesmo de ler isso?! Do espanto do ouvinte o rapaz traduziu a resposta que julgou inconveniente. - Mas para que serve se não vou fazer exame? Em tempos, afastados tempos no tempo, houve quem riscasse no chão as linhas que o desalento tecia perante o cruel e iminente apedrejamento. Também agora, sentado na cadeira, agarrando aquelas palavras que a distância tornava ainda mais duras, o ouvinte desenhava pequenos círculos no ambiente de trabalho, cercas onde parecia estar encurralado. Ganhava tempo, procurava as palavras que melhor contrariassem aquela ingratidão. Levantou-se e voltou segundos depois, trazendo numa das mãos um pedaço de madeira, o que restava de um tronco cortado à medida. - Para que serve isto? – perguntou, levantando o toro para que todos pudessem ver do outro lado. Silêncio! Alguns ligaram as câmaras, saindo da escuridão, como se para ver fosse necessário ser visto. - Para que serve isto? – insistiu. O rapaz que tinha apontado as palavras co

Há dias, fui à praça

A noite aproximava-se não porque a sombra quisesse, mas porque o Sol se mantinha fiel a si próprio e a terra continuava a rodar, ficando, por vezes, às escuras. Nada de novo. Mas era preciso levantar dinheiro no multibanco mais próximo. Dois minutos de carro, um cartão, dois sacos pequenos, um para proteger a mão que sabia o código, outro para guardar o dinheiro.   Reviu mais uma vez todos os movimentos e saiu. A estrada principal,  silenciosa, adormecida,  apareceu imediatamente no fim da travessa. Percorrê-la naquele momento era como uma fuga sem culpa. Olhou várias vezes pelo retrovisor. Nada. Seguiu em frente inseguro, tal como a Leonor. Mas só isso, até porque ela queria muito ir à fonte e ele, se pudesse, não saía de casa. A praça esperava-o, vazia. Ninguém. Nem um carro. Nada. Silêncio apenas contrariado pelo voo de um pássaro espantado com o viajante inesperado. Olhou à volta. Reparou no cuidado triângulo central e nos bancos abandonados. O cruzeiro continuava ao c

As mães não sabem subtrair

O jardim elevava-se. Parece não saber fazer outra coisa! Recebia aquela dádiva como quem sente uma brisa de olhos fechados A chuva tocava levemente as folhas, sussurrando-lhe sílabas que as tornava mais verdes e agradecidas. Ele depositou o pensamento naquela cena, procurando apenas ver. Por momentos, não queria entender, apenas olhar tal como a chuva apenas cai. Segundos que fogem do tempo, que o relógio não alcança, lugares vazios, praças abandonadas. - Em que pensas? Os ombros foram os primeiros a responder, precipitados. O rosto permaneceu imóvel, as mãos perdidas num ritmo qualquer contra o vidro. O calor do rosto que se aconchegava no ombro tornou o pedaço de jardim ainda mais surpreendente - as cores permanecem escondidas nos nossos olhos até que um abraço as liberte. - Ainda não me respondeste! Um pássaro regressava ao ninho que habilmente construíra entre as traves do alpendre. - Este ano temos mais dois ninhos!... Ela sorriu! E apertou ainda mais o abraç