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A mostrar mensagens de dezembro, 2021

Dores de crescimento

  O rapaz estava ensimesmado no sofá, esquecido das pernas e dos braços que mantinha em posições acrobáticas. Conservava na cabeça o capuz para criar uma fronteira com o mundo que todos os dias descobria qual alpinista destemido. Aterrara havia pouco tempo, vindo do reino onde sempre vivera, um círculo perfeito, luminoso, uma brancura ingénua e feliz. Agora percorria as ruas de um outro cheio de cores e brilhos confusos, onde o branco parecia branco. Um labirinto onde, por vezes, já não era uma vez. Sem volver os olhos, perguntou: - Pai, ouvi dizer que és um romântico, é verdade? O adulto olhou-o fixamente por momentos, em silêncio. Percebeu que não ia encontrar os olhos do filho que acompanhava com algum interesse o decorrer de uma série policial. Às vezes, encontramos nos olhos o caminho da resposta que as palavras em ponto de interrogação não sabem antecipar. Arriscou então uma graça: - Não me digas que estás apaixonado? O rapaz reagiu com espanto à inesperada pergunta. -

A profundidade das árvores

  Por momentos, o silêncio ganhou espaço no carro. O pai fixava as paralelas brancas que acomodavam a viatura e lhe ditavam os limites. Tinha mergulhado numa espécie de futuro que por momentos nos visita sem nunca se deixar agarrar.   Imaginava já as agendadas tarefas que se acotovelavam para aparecer. O Mateus seguia ao lado, calado e concentrado no exterior recortado pela janela. - Pai, olha ali! – pediu o rapaz. Não precisava de apontar. O pai sabia muito bem o motivo do espanto. - Muito corajoso, Mateus. Com esta chuva, logo pela manhã… registo com espanto o sacrifício daquele homem! - Oh! – reagiu o Mateus, acompanhando a interjeição protestante com um acentuado encolher de ombros. Ainda se voltou para trás de forma a ver mais uns segundos aquele quadro matinal. O silêncio voltou. As árvores despediam-se das últimas folhas que apanhavam o sopro do vento agitado e, baloiçando, chegavam suavemente ao chão. E os ramos lá ficavam orgulhosamente erguidos. A perda não os incli