A televisão continuava abandonada. Fora encostada à parede, como um quadro que já ninguém observa. A um canto da sala, junto à janela, o rapaz fitava o ecrã do seu telemóvel, divertia-se com os comentários sarcásticos de um youtuber sobre futilidades. - Pai, e se nós ficássemos sem passado e sem futuro? Achas possível? Por momentos, o olhar de um procurou o do outro para confirmar as perguntas e aguardar as respostas. O rapaz voltou ao cómico acessível, deixando para o adulto a dificuldade da busca. Talvez aquelas perguntas tenham surgido do novo abecedário que a televisão soletrava e que ainda não era o alfabeto, o alfa e o ómega. - O que queres dizer com “nós”? – perguntou o pai, dando o primeiro passo nessa demanda. - Cada pessoa, cada um de nós… Continuava difícil encontrar o caminho que a pergunta exigia. Parecia-lhe impossível apagar as pegadas, as marcas da passagem individual ou coletiva, boas ou más, a história da vida de cada um ou de cada coletividade. Parec